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As facadas no Fux

*As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade dos autores e não refletem, necessariamente, a posição da ANPR.

Lafayete Josué Petter é procurador Regional da República, mestre em Instituições de Direito e do Estado pela Pontifícia Católica do Rio Grande do Sul (2004).

No cenário pitoresco que marca as sessões de julgamento ocorridas no STF pelos atos de 8 de Janeiro e do golpe de Estado, o voto proferido pelo ministro Fux no último foi, de fato, um ponto fora da curva. Divergiu, contundentemente, de seus pares. Expôs seu ponto de vista com fundamentação, voto longo e detalhado. Para a Primeira Turma, contudo, o esforço por ele traçado não balançou convicções. A condenação se impôs com base em outra forma de interpretar o direito no caso concreto. Quanto a esse cenário, cada brasileiro tem uma opinião, muitas vozes estridentes comemorando efusivamente o resultado final, outras também sonoras, praguejando a injustiça do estado de coisas. Até aqui, novidade nenhuma. A tolerância quanto ao diferente (diferente raça, diferente cor, diferente religião, convicção política, futebol...) que sempre marcou uma vantagem competitiva nacional em relação a outros povos, sabe-se, foi jogada às catacumbas, influenciando amizades, famílias e grupos. Atenho-me aqui, portanto, ao pós-voto Fux.

Não bastou mais que um dia e vieram a público, mesmo por honrados operadores do direito, a discordância com o voto proferido. Porém, nos casos em que tive acesso, pasme-se, não se refutou o raciocínio jurídico palmilhado. Não se desvalio sua argumentação, não se contrapôs argumentativamente suas convicções jurídicas, algo que se impunha na desqualificação do voto proferido. Não!

Atacou-se a pessoa do magistrado. Pareceu-me de uma sordidez sem qualificação anunciável. Apontou-se sua incoerência como julgador, pois havia condenado centenas de processos referentes ao 8 de Janeiro. Mas foi-se além. A partir desses desferimentos, logo se viu em Fux um julgador parcial: manso com os poderosos, duríssimo com os comuns. Qual cenário poderia ser pior para um juiz de carreira? Incoerente, superparcial, enfim tresloucado com seu voto, veementemente dissonante da monolítica visão interpretativa dominante no alto escalão da Justiça e do Executivo. Apedrejaram-no moralmente e o esfaquearam com a virulência argumentativa frente ao desconforto do atrevimento no voto que se lhe impunha legalmente proferir, com independência...

É a expressão mais recente e deplorável de um estado de coisas inadmissível. Lembre-se que Fux é o único magistrado de carreira no STF, 42 anos de magistratura. Uma cegueira ideológica imanta corações, olhos e mentes de próceres juristas neste país. Suas palavras e ações, até mesmo adedre formulados, pela rapidez das facadas desferidas, são aptos a arder e matar. Estão generosamente distribuídos na sociedade ruidosa da comunicação virtual. Não se trata de fakenews não, são bem reais! Quanto aos que assistem a este estado de coisas, desde a facada em Bolsonaro, até o punhal verde-amarelo do processo em julgamento e agora as facadas covardes dos textos escritos contra Fux, espera-se, tempos haverão de surgir, ao menos para possibilitar dialogicamente o debate profícuo e a tomada de vincendas e benfazejas decisões; afinal de contas, o Brasil é o país do futuro, sempre a empurrar na distância temporal a realização de prementes avanços sócio-econômicos, esses sim, indicativos de concreto e humano desenvolvimento, para os quais o cenário institucional moralmente qualificado constitui alicerce fundante indeclinável.

Publicado originariamente no site Correio Braziliense

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