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Descaso e abandono no caminho para a escola

Descaso e abandono no caminho para a escola

As denúncias chegaram ao Ministério Público Federal (MPF) em 2013, por meio de um abaixo-assinado de pais de alunos da rede pública de Jequié, na Bahia. Eles pediam providências em relação à situação degradante e perigosa a que crianças e adolescentes eram submetidos no caminho para a escola. Em um dos relatos, os pais contaram que as rodas traseiras do ônibus escolar se desprenderam durante o transporte dos estudantes, em setembro. Outros eram levados em paus-de-arara, caminhões adaptados para transportar passageiros na carroceria, assim como fazem com animais.

Na época, o procurador da República Flávio Pereira da Costa Matias era o responsável por atender 44 municípios na Bahia. Mas, ao ver a situação dos alunos do ensino fundamental e médio da rede pública de Jequié, entendeu que buscar melhorias no transporte escolar do município era uma prioridade. “Foi uma situação bastante chocante constatar como as crianças eram transportadas em Jequié por uma empresa que detinha um contrato milionário com a prefeitura. O descaso e a falta de respeito eram escancarados”, argumentou.

O trabalho de investigação foi desenvolvido em parceria com o Ministério Público do Estado da Bahia e representantes do Conselho de Acompanhamento Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (CACS-Fundeb). Ao longo da apuração, foram realizadas reuniões com representantes da Prefeitura de Jequié, Secretaria Municipal de Educação e com a empresa contratada pela administração municipal. Os pais dos alunos também foram ouvidos em diversas ocasiões, assim como funcionários da Circunscrição Regional de Trânsito (Ciretran).

O MPF observou que o serviço de transporte escolar, oferecido pela Rio Una Transportes Ltda, era interrompido constantemente, o que impedia os estudantes de frequentar a escola diariamente. Houve caso de suspensão das aulas por quase um mês devido à falta do transporte, em decorrência de atrasos no pagamento dos motoristas, que se recusavam a trabalhar. Um prejuízo para centenas de alunos.

A superlotação também era um problema, com até quatro passageiros num banco para dois. Além disso, os assentos eram rasgados e sujos, sem cintos de segurança. As inspeções de avaliação dos veículos eram raras. Os ônibus, caminhonetes e carretas quebravam com frequência pela ausência de manutenção.

A situação, no entanto, era muito mais grave do que se imaginava, beirava a ilegalidade. A Rio Una recebia milhões de reais da prefeitura sem ter nem sequer um carro próprio em Jequié. “No intuito de aprofundar a investigação, eu e a promotora de Justiça que atuava em parceria comigo realizamos oitivas simultâneas — eu no MPF, e ela no MPBA — de motoristas subcontratados pela empresa prestadora do serviço de transporte escolar e pudemos constatar que a empresa contratada pela prefeitura só existia no papel, visto que subcontratava integralmente o objeto do contrato”, explicou Matias.

Em 2016, o MPF e o MPBA ingressaram com ação civil pública na Justiça Federal contra a Prefeitura de Jequié. Entre as recomendações, estava a instauração de procedimento administrativo, num prazo de 48h, para apurar as faltas contratuais da empresa. Por meio da ação, os Ministérios Públicos conseguiram a suspensão do contrato da empresa Rio Una, a revisão dos itens de segurança de todos os veículos e ainda que o transporte no município fosse realizado de acordo com a legislação vigente de trânsito.

Atualmente, Flávio Pereira da Costa Matias não trabalha mais em Jequié. Ele foi removido em dezembro de 2016, mas ainda mantém contato com os colegas do Ministério Público na Bahia. Segundo o procurador, a situação tem melhorado bastante e, mesmo as escolas da zona rural com acesso mais difícil, estão sendo atendidas por veículos com os itens de segurança exigidos pela legislação.

“Espero que esse caso possa ter mostrado aos gestores da região que o MPF está atento para a prestação do serviço de transporte escolar nos municípios e adotará as medidas que forem necessárias para assegurar esse direito às crianças e adolescentes. Espero mais ainda que tenhamos conseguido sensibilizar os pais de alunos, conselheiros escolares e do Fundeb de outros municípios a denunciarem irregularidades com as quais se depararem. Sem uma sociedade vigilante e fiscalizadora, a tendência é que a Administração Pública se torne menos cuidadosa”, concluiu.

 

 

 

 

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