Os índios e o direito às suas crenças

As Constituições anteriores limitaram-se a consagrar aos índios, com variação de alcance, a posse das terras em que se encontravam; mas a Constituição de 1988 reconheceu aos índios uma série de direitos não-patrimoniais, e próprios de sua identidade como diferentes grupos – daí constando sua organização social, hábitos, preservação de seu próprio idioma, tradições e crenças.

À medida que a Constituição reconheceu aos índios uma série de direitos próprios, é necessário, sumariamente, respeitá-los. O indigenato, como um todo, cada um de seus grupos e o indivíduo destes últimos têm um rol de direitos constitucionalmente reconhecidos e que, em um Estado de Direito, recebem proteção específica: são direitos singulares, específicos a eles, e que precisam ser respeitados indistintamente por todos.

A Constituição reconhece aos índios suas crenças. É inerente ao indigenato, faz parte de sua singular cosmogonia, seu repertório de crenças; sem o que já não há mais uma coletividade a ser reconhecida, prestigiada, respeitada e protegida, mas apenas uma contrafação caricatural da mesma. Este argumento não permite réplica, na justa medida em que é constitucionalmente assegurada.

Cuida-se, portanto, de um princípio constitucional peculiaríssimo: o do respeito ao índio e à coletividade indígena. A tutela da Constituição ao indigenato, antes restrita ao domínio fundiário, passou a alcançar a própria identidade indígena. Reconheceu, mediante seu artigo 231, o direito aos índios de manterem sua própria sociedade, e não se ver – sem escolha – condenada a uma aculturação onde a catequese figura como expressivo instrumento. Levar aos índios a palavra de quem quer que seja, pretender que se resignem a “verdades” distintas da suas originais crenças é dar um passo decisivo rumo a sua destruição. E, claro, é desobedecer à Constituição.

Nem se diga que o exercício da pregação está protegido pela liberdade de crença e de exercício dos cultos religiosos (artigo 5º - VI da Constituição). Se a catequese fosse permitida por esta disposição constitucional, estar-se-ia revogando parte do artigo 231 da mesma Constituição, quando é sabido que isso não é permitido neste domínio de interpretação.

Pelo contrário, o artigo 5º - VI da Constituição harmoniza-se com o artigo 231 porque ambos – um em geral, outro especialmente em favor dos índios – asseguram a intangibilidade das crenças e o exercício dos cultos. Evidentemente, se os sectários de uma crença pretendem impô-la a outros que já tem sua própria não se estará honrando a Constituição em, pelo menos, duas disposições.

Que cada um tenha sua fé recôndita é, juridicamente falando, tão importante quanto reconhecer aos índios sua crença própria: isto importa não tolerar, em louvor ao artigo 231 da Constituição, que crenças estranhas àqueles ingressem em sua cosmogonia.

Daqui para diante, falaremos aqui dos direitos dos índios, de forma a possibilitar-lhes seu adequado e justo exercício.

 

Artigo originalmente publicado na revista Brasileiros de Raiz

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