O Estado em defesa das mulheres

Possibilitar que o Ministério Público atue em casos de violência contra a mulher, independentemente de queixa formal da vítima, é prova de que o Brasil caminha firmemente rumo a uma concepção efetiva de civilização. A violência doméstica é uma grave violação dos direitos humanos, afronta barbaramente a condição feminina e precisa ser tratada com mão firme. Portanto, merece louvor a iniciativa do Procurador-Geral da República de propor uma ação declaratória de constitucionalidade da Lei Maria da Penha, para fixar esse novo entendimento; também é digna de aplausos a validação da norma por parte do Supremo Tribunal Federal, decisão que tornou a ação penal pública incondicionada e determinou a não-aplicabilidade da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95), impedindo o mecanismo da “conciliação” nos casos de violência contra a mulher.

Assim como as relações sociais, as relações pessoais precisam de balizas. Prova disso são os inúmeros casos publicados cotidianamente na imprensa, similares ao da adolescente Eloá Cristina Pimentel, 15 anos, morta a tiros depois de ter sido mantida refém durante mais de 100 horas por Lindemberg, seu ex-namorado.


Dados recentes divulgados pelo Banco Mundial e pela Organização das Nações Unidas mostram que, em todo o mundo, as mulheres de 15 a 44 anos correm mais risco de sofrer estupro e violência doméstica do que câncer, acidentes de carro, efeitos da guerra e malária. No Brasil, os números também são alarmantes: segundo o Relatório Anual da Secretaria de Políticas para Mulheres, as denúncias atingiram a soma de 74.984, das quais 61% foram relatos de violência física.


Mais do que isso, os dados mostram que 91% das agressões foram cometidas por homens que têm ou tiveram algum vínculo afetivo com a vítima. O relatório divulgado pelo governo federal aponta, ainda, que em 58,6% dos casos a violência é diária, e em 21,6% semanal.
Essa é a cruel realidade que se começa a alterar. É dar um basta ao sofrimento daquelas que representam a parte mais frágil, e por isso mais suscetível a ameaças e abusos. Assim, a Associação Nacional dos Procuradores da República considera as mudanças aprovadas recentemente pelo STF uma vitória: é por meio de avanços como esses que se estabelecem os limites da convivência social digna, com respeito mútuo e capazes de alterar hábitos tão antigos quanto nocivos.  A depender dessa nova orientação, o tempo das cavernas terminou.

 

*Alexandre Camanho de Assis é presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e procurador regional da República.

 

Artigo originalmente publicado no jornal Hoje em Dia

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