Os Procuradores da República e o combate à Corrupção

No dia 9 de dezembro celebrou-se, mundialmente, o Dia Internacional Contra a Corrupção. Este ano, no Brasil, a data tinha tudo para ter um gosto especial, tendo em vista que o bem sucedido julgamento do Mensalão - consequência de um trabalho articulado entre Ministério Público e outras instituições - renovou as esperanças da população, que estava sedenta por uma nova realidade, direcionada para a consolidação de uma sociedade mais justa e verdadeiramente democrática.

Mas, nem bem foram colhidos os bons frutos dos últimos avanços no combate à corrupção e a sociedade recebe um duro golpe: aprovou-se, numa Comissão Especial da Câmara dos Deputados, a PEC 37/2011, proposição que retira o poder de investigação do Ministério Público, confinando-o às polícias Federal e Civil. A proposta - que segue agora para o Plenário da Casa e, em seguida, para o Senado Federal - é um dos mais graves atentados contra o Estado Democrático de Direito e o Ministério Público, órgão cuja história se confunde com a luta contra a corrupção no Brasil e a criminalidade.

Antes mesmo de a Constituição Federal de 1988 consagrar as atuais prerrogativas do MP - que  efetivaram a instituição como um instrumento de defesa da sociedade e, para tanto, sem vínculos de subordinação com os demais Poderes -, um procurador da República era assassinado em Olinda (PE), retaliado por sua atuação na operação conhecida como “ Escândalo da Mandioca”. Pedro Jorge de Melo e Silva morreu com seis tiros, ao denunciar um esquema ocorrido entre 1979 e 1981, que desviara cerca de 1,5 bilhão de cruzeiros - quase R$ 20 milhões - dos cofres públicos e beneficiou políticos, fazendeiros, bancários, servidores e militares.

Nos anos 90, o engajamento crescente dos procuradores da República em operações similares promoveu a desarticulação de diversas quadrilhas que atuavam na administração pública. Entre elas, o “Escândalo dos Precatórios”, quando denunciaram a fraude cometida por estados e municípios que negociavam a emissão de títulos públicos com o objetivo de arrecadar dinheiro: só no Departamento de Estradas e Rodagem (DNER), o prejuízo à União foi estimado em R$ 3 bilhões. Os ex-prefeitos Paulo Maluf e Celso Pitta (PP-SP) foram acusados de improbidade administrativa, corrupção passiva, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e organização criminosa. A ação beneficiava bancos, fundos de pensão e importantes nomes do mercado financeiro.   

A investigação do “Banestado” - Banco do Estado do Paraná - teve início na mesma década. O  esquema consistia em remessas ilegais de divisas pelo sistema financeiro público brasileiro para o exterior. Na apuração, instaurou-se uma Comissão Parlamentar de Inquérito e criou-se uma Força Tarefa no Paraná, integrada por procuradores da República. As investigações revelaram o envio de  cerca de US$ 19 bilhões para os Estados Unidos. O relatório final da CPI pediu o indiciamento de 91 envolvidos, a maioria políticos que participavam do esquema junto com empresários e pessoas ligadas ao tráfico de drogas, de armas e de mulheres.  

Com o aperfeiçoamento da atuação do MP e de outras instituições democráticas, ações conjuntas têm feito do combate à corrupção uma das marcas do início deste milênio no Brasil, com o invariável protagonismo dos procuradores da República. A lista de operações é imensa: por exemplo, a Anaconda, Caixa de Pandora, Satiagraha e Monte Carlo, e, claro, o próprio Mensalão. Em todas elas, o trabalho articulado entre órgãos administrativos encarregados de promover diligências investigatórias foi fundamental.   

O que nos reserva o futuro? A quem servirá um Ministério Público fraco, esvaziado em sua prerrogativa de proteger o interesse público, que retrocederá em sua atuação após décadas de aprimoramento, retaliado justamente por desempenhar com destemor suas responsabilidades firmadas na Constituição Cidadã? O Dia Internacional Contra a Corrupção, no Brasil, encontra-se sombreado pelo embate Impunidade x Ministério Público, em curso no Congresso Nacional, com a funesta perspectiva de que, a despeito do trabalho de décadas de todo o MP, a Democracia pode vir a ser a maior perdedora. Espera-se que o Parlamento reitere seu permanente compromisso com a sociedade e, ano que vem, se possa festejar a derrota desta temeridade que é a PEC 37.

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