Para além da PEC 37

As ruas derrubaram a PEC 37. Na última terça-feira (25/06), as ruas vivenciaram um momento marcante na recente história democrática do país e viram o resultado vivo da sua força e de sua capacidade de mobilização. A Proposta de Emenda Constitucional nº 37 (PEC 37), cuja aprovação muitos há duas semanas consideravam inevitável, foi derrotada com uma estrondosa votação de 430 votos contra e apenas nove a favor, com duas abstenções.

Além da pressão popular, essa reviravolta foi proporcionada pela reativação do diálogo por parte do Ministério Público com o Parlamento, o que se deu por meio de conversas e discussões sobre a proposta com os membros da classe política. A todos aqueles que ouviram os argumentos da instituição e reconheceram a importância do Ministério Público cabe o agradecimento, impondo-se, neste momento, a reafirmação de compromissos em favor da concretização do projeto delineado pela Constituição de 1988.

Não há dúvidas de que toda investigação merece uma regulamentação legal, de forma a assegurar garantias e evitar arbitrariedades por parte dos agentes responsáveis pelo seu exercício. Essa necessária regulamentação não pode se confundir, todavia, com a ideia de limitação do exercício de atribuições do Ministério Público, órgão que detém a atribuição de defender a sociedade, os direitos humanos e a ordem jurídica, e que vem realizando suas funções de forma adequada, como a própria sociedade reconheceu e defendeu.

Superada a ameaça da PEC e renovada nas ruas e no debate a confiança que a sociedade deposita no Ministério Público, cabe o exercício da autocrítica que conduz à pergunta: E daqui por diante? O momento é oportuno para repensar em como pode contribuir o Ministério Público na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, comprometida com a erradicação das desigualdades e com a democracia.

Nesse ponto, é importante ressaltar que a força do Ministério Público não está apenas na atuação vigilante de seus membros nas pautas da cidadania (que incluem o combate à criminalidade e à corrupção) e no relacionamento com os outros poderes, mas também na parceria com os movimentos sociais e demais entidades organizadas da sociedade civil.

A nosso ver, é hora de o Ministério Público colocar-se, cada vez mais, ao lado dos que mais clamam por justiça social e por um novo país. Por um lado, deve o MP ouvir as reivindicações dos movimentos organizados e auxiliar no processo de conscientização de direitos, permitindo que a sociedade disponha cada vez mais de mecanismos para não tolerar desmandos nem aceitar o uso indevido de recursos ou a má prestação de serviços públicos. Por outro, deve participar ativamente dos debates com as órgãos de representação política, de forma a contribuir para a prevenção de inconstitucionalidades e para a concreta priorização de recursos em direitos sociais, sempre ao lado da sociedade civil organizada.

Paralelamente a isso, os membros do Ministério Público devem sair às comunidades para ouvir a população e compreender a realidade que os cerca. Só assim serão capazes de aprimorar sua atuação e desenvolver de forma plena sua missão, aliando aos seus poderes uma compreensão atenta à proteção dos direitos humanos e à realização do projeto constitucional.

Para tanto, incumbe a todos cobrar esses compromissos e redobrar a atenção quanto ao trabalho das instituições. As mobilizações pela redução de tarifas de ônibus demonstram que a transformação social passa pela real participação e contestação por parte da população, associada à sensibilização dos órgãos públicos e dos poderes. Para além da PEC 37, importa-nos construir um país melhor, mais justo e preocupado com a erradicação das desigualdades.

 

 

Procurador da República

 

 

Procurador da República

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