Ministério Público Eleitoral de primeiro grau: função privativa do Ministério Público Federal (art. 72, parágrafo único, da Lei Complementar nº 75/93)

A presente análise legislativa não tem a pretensão de trazer fontes históricas sobre o exercício da função eleitoral pelo Ministério Público Federal ou, como preferem outros, do Ministério Público Eleitoral no Brasil. Busca-se tão somente apresentar qual a legislação se encontra em vigor sobre o tema e, mais que isso, como ela deve ser aplicada à estrutura orgânica do Ministério Público Federal.

Sob a égide da Constituição de 1946, o legislador pátrio, na precisa data de 15 de julho de 1965, editou o Código Eleitoral brasileiro, que até hoje se encontra em vigor. Referido estatuto assim instituiu os órgãos da Justiça Eleitoral:

 

Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965.

 

Art. 12. São órgãos da Justiça Eleitoral:

I - O Tribunal Superior Eleitoral, com sede na Capital da República e jurisdição em todo o País;

II - um Tribunal Regional, na Capital de cada Estado, no Distrito Federal e, mediante proposta do Tribunal Superior, na Capital de Território;

III - juntas eleitorais;

IV - juízes eleitorais.

 

O Codex Eleitoral também disciplinou os órgãos do Ministério Público Eleitoral, bem como suas atribuições:

 

Art. 18. Exercerá as funções de Procurador Geral, junto ao Tribunal Superior Eleitoral, o Procurador Geral da República, funcionando, em suas faltas e impedimentos, seu substituto legal.

Parágrafo único. O Procurador Geral poderá designar outros membros do Ministério Público da União, com exercício no Distrito Federal, e sem prejuízo das respectivas funções, para auxiliá-lo junto ao Tribunal Superior Eleitoral, onde não poderão ter assento.

 

Art. 24. Compete ao Procurador Geral, como Chefe do Ministério Público Eleitoral;

I - assistir às sessões do Tribunal Superior e tomar parte nas discussões;

II - exercer a ação pública e promovê-la até final, em todos os feitos de competência originária do Tribunal;

III - oficiar em todos os recursos encaminhados ao Tribunal;

IV - manifestar-se, por escrito ou oralmente, em todos os assuntos submetidos à deliberação do Tribunal, quando solicitada sua audiência por qualquer dos juízes, ou por iniciativa sua, se entender necessário;

V - defender a jurisdição do Tribunal;

VI - representar ao Tribunal sobre a fiel observância das leis eleitorais, especialmente quanto à sua aplicação uniforme em todo o País;

VII - requisitar diligências, certidões e esclarecimentos necessários ao desempenho de suas atribuições;

VIII - expedir instruções aos órgãos do Ministério Público junto aos Tribunais Regionais;

IX - acompanhar, quando solicitado, o Corregedor Geral, pessoalmente ou por intermédio de Procurador que designe, nas diligências a serem realizadas.

 

Art. 27. Servirá como Procurador Regional junto a cada Tribunal Regional Eleitoral o Procurador da República no respectivo Estado e, onde houver mais de um, aquele que for designado pelo Procurador Geral da República.

§ 1º No Distrito Federal, serão as funções de Procurador Regional Eleitoral exercidas pelo Procurador Geral da Justiça do Distrito Federal.

§ 2º Substituirá o Procurador Regional, em suas faltas ou impedimentos, o seu substituto legal.

§ 3º Compete aos Procuradores Regionais exercer, perante os Tribunais junto aos quais servirem, as atribuições do Procurador Geral.

§ 4º Mediante prévia autorização do Procurador Geral, podendo os Procuradores Regionais requisitar, para auxiliá-los nas suas funções, membros do Ministério Público local, não tendo estes, porém, assento nas sessões do Tribunal.

 

De início, observa-se que, desde a edição do Código Eleitoral no ano de 1965, sempre coube ao Procurador-Geral da República o exercício do cargo de Procurador-Geral Eleitoral e, portanto, a chefia máxima do Ministério Público Eleitoral. A posição de preeminência absoluta do Procurador-Geral da República junto ao Ministério Público Eleitoral está às escâncaras nos supracitados arts. 18 e 24 do Código Eleitoral.

O Estatuto Eleitoral determina de modo expresso que o Procurador-Geral tem legitimidade ampla e irrestrita até mesmo para “representar ao Tribunal sobre a fiel observância das leis eleitorais, especialmente quanto à sua aplicação uniforme em todo o País” (art. 24, VI).[1]

Aliás, quando menciona que o Procurador-Geral da República, como Chefe do Ministério Público Eleitoral, tem o poder de “expedir instruções aos órgãos do Ministério Público junto aos Tribunais Regionais” (art. 24, VIII), o Código Eleitoral consagra expressamente seu poder hierárquico em temas eleitorais de natureza administrativa. Em resumidas palavras, se o tema eleitoral envolver matéria administrativa, o Procurador-Geral da República pode determinar quais ações deverão ser adotadas pelos Procuradores-Regionais Eleitorais ou, então, adotá-las diretamente.[2]

O art. 27 do Código Eleitoral também disciplina que somente os membros do Ministério Público Federal atuarão perante os Tribunais Regionais Eleitorais, cabendo exclusivamente ao Procurador-Geral da República a realização de tais designações.[3]

Assim como ocorreu na Constituição de 1946 (art. 126)[4], na Constituição de 1967 (art. 138)[5] e na Constituição de 1969 (art. 95)[6], o Texto Constitucional de 1988 afirmou o Procurador-Geral da República como chefe máximo do Ministério Público Federal, mas agora também lhe outorgou a chefia dos demais ramos do Ministério Público da União (art. 128, § 1º)[7].

Ao tratar dos órgãos componentes da Justiça Eleitoral, a Constituição de 1988 basicamente reprisou o formato contido no Código Eleitoral (art. 118), dando nova formação para o Tribunal Superior Eleitoral (art. 119) e os Tribunais Regionais Eleitorais (art. 120). Pelo fenômeno da recepção normativa, o Código Eleitoral passou a deter o status de lei complementar (art. 121).

De forma idêntica aos textos constitucionais anteriores, a Constituição de 1988 não tratou do Ministério Público Eleitoral. Em dispositivo próprio, incumbiu ao legislador complementar federal tal missão (art. 129, § 5º, da CF: “Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público”).

Em 12 de fevereiro de 1993, o Congresso Nacional editou a Lei nº 8.625, também conhecida como Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, que dispôs sobre “normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados” e deu outras providências correlatas. Ao tratar da atividade suplementar dos ramos estaduais do Ministério Público junto à função eleitoral de primeiro grau do Ministério Público Eleitoral, referida norma assim dispôs:

 

Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993.

 

Art. 10. Compete ao Procurador-Geral de Justiça:

(...)

IX - designar membros do Ministério Público para:

(...)

h) oficiar perante a Justiça Eleitoral de primeira instância, ou junto ao Procurador-Regional Eleitoral, quando por este solicitado;

 

Art. 73. Para exercer as funções junto à Justiça Eleitoral, por solicitação do Procurador-Geral da República, os membros do Ministério Público do Estado serão designados, se for o caso, pelo respectivo Procurador-Geral de Justiça.

§ 1º Não ocorrendo designação, exclusivamente para os serviços eleitorais, na forma do caput deste artigo, o Promotor Eleitoral será o membro do Ministério Público local que oficie perante o Juízo incumbido daqueles serviços.

 

A Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, mantendo coerência com o Código Eleitoral e os textos constitucionais anteriores, que fixaram o Ministério Público Eleitoral como função privativa do Ministério Público Federal, expressamente determinou que a atuação suplementar dos membros do Ministério Público dos Estados junto ao Ministério Público Eleitoral só ocorrerá quando houver prévio e voluntário pedido dos Procuradores-Regionais Eleitorais ou do Procurador-Geral da República.

Em seu art. 10, IX, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público dispõe de modo literal que somente quando houver solicitação prévia do Procurador-Regional Eleitoral, o Procurador-Geral de Justiça indicará os nomes dos membros do Ministério Público do Estado que oficiarão junto à Justiça Eleitoral. De maneira idêntica, o art. 73 do mesmo estatuto determina de forma expressa que os membros do Ministério Público do Estado somente serão indicados pelo respectivo Procurador-Geral de Justiça para atuação junto à Justiça Eleitoral se houver prévia solicitação do Procurador-Geral da República.

Em não havendo solicitação do Ministério Público Federal dirigida aos Ministérios Públicos Estaduais, caberá exclusivamente ao Procurador-Geral da República e, também, aos Procuradores-Regionais Eleitorais (estes coordenados por aquele – art. 24, VIII, do Código Eleitoral) decidirem como se dará a designação de membros do Ministério Público Federal para exercer as funções eleitorais junto aos órgãos da primeira instância de tal Justiça Federal Especializada (as Zonas Eleitorais).

A Lei nº 8.625/93 só pode ser compreendida à luz da realidade vigente no ano em que surgiu no ordenamento jurídico pátrio. Em 1993, data de sua edição, o Ministério Público Federal ainda não possuía uma centena de membros, o que impossibilitava o exercício pleno de suas funções eleitorais pela própria carreira (em especial, os membros do primeiro grau – Procuradores da República).

A solução adotada pelo legislador ordinário para suplementar a carência de membros do Ministério Público Federal foi extremamente sábia, qual seja, autorizar que os milhares de membros dos Ministérios Públicos Estaduais, sempre mediante solicitação do Procurador-Geral da República ou dos respectivos Procuradores-Regionais Eleitorais (isto é, sempre através de uma prévia análise de conveniência e oportunidade do próprio Ministério Público Federal através de sua subespécie denominada Ministério Público Eleitoral), pudessem exercer uma atividade puramente federal: as funções eleitorais de primeiro grau do Ministério Público Federal.

Como as funções eleitorais do Ministério Público Federal são atividades totalmente estranhas aos interesses tutelados pelas carreiras dos Ministérios Públicos Estaduais ou, ainda, aos bens, serviços e interesses das unidades federativas a que estão vinculados, o legislador foi expresso ao realizar a contrapartida financeira de tal atividade atípica através da criação de uma gratificação eleitoral[8].

Em 20 de maio de 1993, poucos meses após a criação da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, o legislador federal, em conformidade com o art. 129, § 5º, da Constituição Federal, editou o Estatuto do Ministério Público da União: a Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993.

No que se refere ao tema eleitoral, a Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, desde seu início é expressa sobre a atuação do Ministério Público Federal sobre todos os órgãos da Justiça Eleitoral. Veja-se:

 

Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993.

 

CAPÍTULO I

Do Ministério Público Federal

 

SEÇÃO I

Da Competência, dos Órgãos e da Carreira

 

Art. 37. O Ministério Público Federal exercerá as suas funções:

I - nas causas de competência do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e dos Juízes Federais, e dos Tribunais e Juízes Eleitorais;

 

Em Seção própria, o Estatuto do Ministério Público da União é veemente sobre o exercício pleno das funções eleitorais pelos membros do Ministério Público Federal em todas as fases e instâncias da Justiça Eleitoral. In verbis:

 

SEÇÃO X

Das Funções Eleitorais do Ministério Público Federal

 

Art. 72. Compete ao Ministério Público Federal exercer, no que couber, junto à Justiça Eleitoral, as funções do Ministério Público, atuando em todas as fases e instâncias do processo eleitoral.

Parágrafo único. O Ministério Público Federal tem legitimação para propor, perante o juízo competente, as ações para declarar ou decretar a nulidade de negócios jurídicos ou atos da administração pública, infringentes de vedações legais destinadas a proteger a normalidade e a legitimidade das eleições, contra a influência do poder econômico ou o abuso do poder político ou administrativo.

 

A Lei Complementar nº 75/93, em moldes muito similares ao Código Eleitoral, define que o Procurador-Geral Eleitoral é exclusivamente o Procurador-Geral da República, bem como discrimina suas atribuições administrativas e processuais junto ao Ministério Público Eleitoral e ao Poder Judiciário Eleitoral (arts. 73, 74 e 75). Ela também define que a função de Procurador-Regional Eleitoral, cuja atuação se dará em cada Tribunal Regional Eleitoral da Federação, é exclusiva dos membros do Ministério Público Federal (Procuradores-Regionais da República e Procuradores da República), além de definir atribuições administrativas no âmbito eleitoral (arts. 76 e 77). 

No que tange à atuação do Ministério Público Federal na primeira instância do Poder Judiciário Eleitoral, a Lei Complementar nº 75/93, assim como houvera feito a Lei nº 8.625/93, sempre visando garantir a participação extraordinária (suplementar) dos membros dos Ministérios Públicos Estaduais no exercício eleitoral de primeiro grau do Ministério Público Federal, criou a função  denominada Promotor Eleitoral. Veja-se:

 

Art. 78. As funções eleitorais do Ministério Público Federal perante os Juízes e Juntas Eleitorais serão exercidas pelo Promotor Eleitoral.

 

Art. 79. O Promotor Eleitoral será o membro do Ministério Público local que oficie junto ao Juízo incumbido do serviço eleitoral de cada Zona.

Parágrafo único. Na inexistência de Promotor que oficie perante a Zona Eleitoral, ou havendo impedimento ou recusa justificada, o Chefe do Ministério Público local indicará ao Procurador Regional Eleitoral o substituto a ser designado.

 

O texto legal deixa claro que Promotor Eleitoral pode ser qualquer membro do Ministério Público previamente designado pelo Procurador-Regional Eleitoral da respectiva unidade federativa ou, ainda, pelo próprio Procurador-Geral da República (art. 24, VIII, do Código Eleitoral) para atuar junto a um determinado órgão jurisdicional eleitoral de primeiro grau (Zona Eleitoral), havendo apenas a necessidade de que detenha, pela respectiva portaria de nomeação, atribuições funcionais junto à sede de tal Juízo Federal Especializado.

É indiscutível que devem, em regra, receber designação de Promotor Eleitoral para exercer a função ministerial perante os Juízos Eleitorais todos os membros possíveis do Ministério Público Federal, pois essa é a conclusão lógico-racional que se extrai dos comandos expressos e indeclináveis contidos nos arts. 37, I, e 72, parágrafo único, da Lei Complementar nº 75/93 (exercer, junto à Justiça Eleitoral, as funções do Ministério Público, atuando em todas as fases e instâncias do processo eleitoral).

Em resumidas palavras, toda a estrutura constitucional e infraconstitucional criada pelo Legislador Federal destinou-se a garantir o pleno exercício das funções eleitorais pelo Ministério Público Federal junto a todas as instâncias da Justiça Federal Eleitoral.

Também é relevante reprisar uma vez mais que o Legislador Federal, seja ordinário ou complementar, nunca desejou a existência de um Ministério Público Eleitoral com administração híbrida, distribuindo-se uma parte das atribuições funcionais para o Ministério Público Federal e outra para os Ministérios Públicos Estaduais, situação que, aliás, poderia criar um irracional e eterno ambiente de conflitos administrativos entre tais instituições. Prova maior disso é que o Código Eleitoral, a Lei nº 8.625/93 e a Lei Complementar nº 75/93 jamais mencionaram que o exercício da função eleitoral na primeira instância da Justiça Federal Eleitoral seria exclusivo dos membros dos Ministérios Públicos dos Estados (Promotores de Justiça); não há menção alguma nesse sentido.

Ao revés, o Congresso Nacional, sabedor da natureza federativa da função eleitoral, que deve ser uniforme em todo o território nacional e, mais que isso, será sempre mantida às expensas do Erário Federal, expressamente decretou que ela é privativa do Ministério Público Federal, seja quando determinou de forma expressa que “o Ministério Público Federal exercerá as suas funções nas causas de competência dos Tribunais e Juízes Eleitorais” (art. 37, I, da Lei Complementar 75/93), seja quando, no mesmo texto legal, novamente normatizou que “compete ao Ministério Público Federal exercer, no que couber, junto à Justiça Eleitoral, as funções do Ministério Público, atuando em todas as fases e instâncias do processo eleitoral” (art. 72, parágrafo, da Lei Complementar 75/93).

O exercício das funções eleitorais junto à primeira instância da Justiça Federal Eleitoral, que é pertencente ao Ministério Público Federal, somente se dará de forma extraordinária (suplementar) pelos membros dos Ministérios Públicos Estaduais quando houver necessidade, razão pela qual o legislador federal expressamente falou de “solicitação”, “se for o caso”, dos Procuradores-Regionais Eleitorais ou do Procurador-Geral da República” (arts. 10, IX, e 73 da Lei nº 8.625/93).

Em resumidas palavras, apenas quando não for possível o exercício das funções de Promotor Eleitoral pelos próprios membros do Ministério Público Federal, caberá a designação dos Ministérios Públicos dos Estados para o exercício de tal atividade federal.

Importante salientar que o Procurador-Geral da República, chefe máximo do Ministério Público Federal, é também o Procurador-Geral Eleitoral. Mais que isso, por expressa previsão legal o Procurador-Geral da República é o único gestor orgânico-administrativo das funções eleitorais do Ministério Público Federal (“ad exemplum”, vide arts. 18, parágrafo único, 24, I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII e IX, 27, § 4º, do Código Eleitoral; arts. 10, IX, “h”, e 73 da Lei nº 8.625/93; arts. 37, I, e 72, parágrafo único, da Lei Complementar 75/93). Logo, o Procurador-Geral da República detém com exclusividade o poder normativo para definir o que é Promotor Eleitoral e Ministério Público local, visando estabelecer os exatos contornos do exercício das funções eleitorais de primeiro grau do Ministério Público Federal.

Considerando os comandos normativos dos arts. 37, I, e 72, parágrafo único, da Lei Complementar 75/93, não parece que haja ao Procurador-Geral da República uma forma de interpretação diversa da ora exposta no presente estudo.

Por fim, a Resolução nº 30 do Conselho Nacional do Ministério Público, de 19 de maio de 2008, sob pena de literal e inconstitucional afronta à Lei Complementar 75/93, além de invasão na discricionariedade e no poder normativo do Procurador-Geral da República, chefe máximo do Ministério Público Eleitoral, só terá aplicação quando houver solicitação do Ministério Público Federal para o exercício extraordinário (suplementar) de suas funções eleitorais de primeiro grau pelos membros dos Ministérios Públicos Estaduais. Essa é a regra expressa contida  nos arts. 10, IX, “h”, e 73 da Lei nº 8.625/93.

Em dias atuais, a Justiça Federal Eleitoral possui 2.644 Zonas Eleitorais espalhadas pelas 27 unidades federativas, o que representa a existência de idênticas quantidades de funções para os Juízos Eleitorais e Promotores Eleitorais.[9] Até março de 2019, o Ministério Público Federal possuía 1.151 membros (72 Subprocuradores-Gerais da República, 228 Procuradores-Regionais da República e 851 Procuradores da República).

Ainda que houvesse a designação de todos os membros do Ministério Público Federal para o exercício ordinário da função eleitoral como Promotores Eleitorais, conforme determinam os arts. 37, I, e 72, parágrafo único, da Lei Complementar nº 75/93, restariam 1.493 cargos a serem preenchidos de forma extraordinária (suplementar) pelos Ministérios Públicos dos Estados.

pós o julgamento proferido junto ao Ag. Reg. no Inquérito nº 4.435 pelo E. Supremo Tribunal Federal, que fixou a constitucionalidade da conexão processual entre crimes comuns e crimes eleitorais (art. 35, II, do Código Eleitoral),[10] o exercício ordinário das funções eleitorais do Ministério Público Federal por seus próprios membros, em todos os juízos federais especializados (Zonas Eleitorais)  possíveis, muito mais do que uma situação de conveniência e oportunidade, hoje se revela um ato institucional extremamente necessário para a preservação da própria atividade de persecução criminal.

Também é importante salientar que o parágrafo único do art. 72 da Lei Complementar nº 75/93 é expresso ao afirmar que o Ministério Público Federal tem a missão institucional de propor perante a Justiça Federal Eleitoral de primeira instância as ações para declarar ou decretar a nulidade de negócios jurídicos ou atos da administração pública, infringentes de vedações legais destinadas a proteger a normalidade e a legitimidade das eleições, contra a influência do poder econômico ou o abuso do poder político ou administrativo.

Muitos dos graves crimes e atos de improbidade administrativa recentemente revelados no cenário nacional através de grandes operações policiais teriam sido evitados caso houvesse um combate mais intenso e adequado às infrações eleitorais mencionadas no parágrafo único do art. 72 da Lei Complementar nº 75/93, cuja ampla repressão, diga-se, é determinada pela Constituição Federal (art. 14, § 9º[11]) e pela Lei de Inelegibilidade (art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990[12]).

Em conclusão, é induvidoso que as funções eleitorais junto à primeira instância do Poder Judiciário Federal Eleitoral devem ser exercidas pelos membros do Ministério Público Federal. Somente de forma extraordinária (suplementar) tais atividades federais podem ser exercidas pelos Ministérios Públicos Estaduais, mas, ainda, assim, quando houver de fato necessidade orgânica, razão pela qual o legislador federal tomou a cautela de mencionar expressamente sobre a necessidade de prévia “solicitação”, “se for o caso”, do Procurador-Geral da República ou dos Procuradores-Regionais Eleitorais (arts. 10, IX, e 73 da Lei nº 8.625/93).

 

[1]    Embora não seja o objeto central desse pequeno estudo, o dispositivo contido no art. 24, VI, do Código Eleitoral poderia – e deveria – ser utilizado pelo Procurador-Geral da República, enquanto Procurador-Geral Eleitoral, para obter junto ao Tribunal Superior Eleitoral uma interpretação jurisprudencial atual e coerente com o ordenamento jurídico pátrio de que o conceito de “juiz de direito” previsto no Código Eleitoral e na Constituição Federal de 1988 abarca não apenas os juízes estaduais, mas também os juízes federais, o que importaria na ocupação das Zonas Eleitorais por ambas as magistraturas (obviamente, em número simétrico de membros e através de distribuição objetiva dos juízos eleitorais).

               O art. 32 do Código Eleitoral assim dispõe a composição dos órgãos jurisdicionais de primeiro grau: “Cabe a jurisdição de cada uma das zonas eleitorais a um juiz de direito em efetivo exercício e, na falta deste, ao seu substituto legal que goze das prerrogativas do art. 95 da Constituição. Parágrafo único. Onde houver mais de uma vara o Tribunal Regional designará aquela ou aquelas, a que incumbe o serviço eleitoral”. (g. n.) Ao tratar do cargo de juiz de direito para fins eleitorais, o texto do Código Eleitoral, que é de 1965, referia-se à Constituição de 1946. O mencionado dispositivo constitucional tratava das garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos dos juízes concursados. Importante salientar que somente em 1966, precisamente através da Lei nº 5.010, de 30 de maio de 1966, o legislador federal passou a disciplinar o cargo de Juiz Federal. Diante da cronologia legislativa da época, é induvidoso que o termo “juiz de direito” previsto no Código Eleitoral, que foi editado um ano antes da Lei nº 5.010/66, reportou-se aos juízes togados, conceito jurídico que inclui os juízes estaduais e, também, os juízes federais.

[2]    O poder hierárquico possui como objetivo precípuo ordenar, coordenar, controlar e corrigir as atividades administrativas na seara interna dos órgãos da Administração Pública. Mantém a ordem nas atividades da Administração quando reparte e escalona as funções entre os agentes do Poder, de modo que cada qual exerça de modo eficiente o seu cargo. Coordena os serviços quando busca a harmonia entre todos os serviços do mesmo órgão. Exerce o controle quando faz cumprir as leis e as ordens. Realiza a correição quando faz com que sejam eliminados os erros administrativos. Do poder hierárquico são inerentes certos poderes implícitos ao superior, tais como dar ordens e fiscalizar o seu cumprimento, rever atos administrativos de seus inferiores e, principalmente, delegar e avocar atribuições.

[3]    O § 1º do art. 27 do Estatuto Eleitoral foi revogado pelos arts. 75, I, e 76 da Lei Orgânica do Ministério Público da União, que assim dispõem: LC nº 75/93: Art. 75. Incumbe ao Procurador-Geral Eleitoral: I - designar o Procurador Regional Eleitoral em cada Estado e no Distrito Federal. (...) Art. 76. O Procurador Regional Eleitoral, juntamente com o seu substituto, será designado pelo Procurador-Geral Eleitoral, dentre os Procuradores Regionais da República no Estado e no Distrito Federal, ou, onde não houver, dentre os Procuradores da República vitalícios, para um mandato de dois anos.

[4]    Constituição de 1946: Art. 126 - O Ministério Público federal tem por Chefe o Procurador-Geral da República. O Procurador, nomeado pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentre cidadãos com os requisitos indicados no artigo 99, é demissível ad nutum.

[5]    Constituição de 1967: Art. 138 - O Ministério Público Federal tem por Chefe o Procurador-Geral da República, o qual será nomeado pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentre cidadãos com os requisitos Indicados no art. 113, § 1º.

[6]    Constituição de 1969: Art. 95. O Ministério Público federal tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República, dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

[7]    Constituição de 1988: Art. 128. O Ministério Público abrange: I - o Ministério Público da União, que compreende: a) o Ministério Público Federal; b) o Ministério Público do Trabalho; c) o Ministério Público Militar; d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; II - os Ministérios Públicos dos Estados. § 1º O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução.

[8]    Lei nº 8.625/93: Art. 50. Além dos vencimentos, poderão ser outorgadas, a membro do Ministério Público, nos termos da lei, as seguintes vantagens: (...) VI - gratificação pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral, equivalente àquela devida ao Magistrado ante o qual oficiar; Art. 70. Fica instituída a gratificação pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral, de que trata o art. 50, VI, desta Lei.

[9]    Conforme pesquisa realizada junto ao sítio oficial do Tribunal Superior Eleitoral, a Justiça Federal Eleitoral possui 2.644 Zonas Eleitorais, que estão distribuídas nas unidades federativas na seguinte forma: Acre: 09; Alagoas: 42; Amapá: 10; Amazonas: 60; Bahia: 199; Ceará: 109; Distrito Federal: 20; Espírito Santo: 50; Goiás: 92; Maranhão: 105; Mato Grosso: 57; Mato Grosso do Sul: 49; Minas Gerais: 304; Pará: 100; Paraíba: 68; Paraná: 186; Pernambuco: 122; Piauí: 82; Rio de Janeiro: 165; Rio Grande do Norte: 60; Rio Grande do Sul: 165; Rondônia: 29; Roraima: 8; Santa Catarina: 98; São Paulo: 393; Sergipe: 29; Tocantins: 33.

      http://www.tse.jus.br/eleitor/servicos/cartorios-e-zonas-eleitorais/pesquisa-a-zonas-eleitorais

[10]  Ao julgar o Ag. Reg. no Inquérito nº 4.435, o Plenário do E. Supremo Tribunal Federal confirmou jurisprudência no sentido de garantir a competência da Justiça Eleitoral para processar e julgar crimes comuns que apresentam conexão com crimes eleitorais. O Código Eleitoral assim disciplina o instituto da conexão processual para fins de julgamento criminal: art. 35. Compete aos juízes: (…) II - processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais.

[11]  Constituição Federal: Art. 14 (...) § 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

[12]  Lei Complementar nº 64/90: Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

 

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