Competência e suspeição no processo penal

A análise da competência prejudica a análise da suspeição?

O Código de Processo Penal estabelece no art. 96[1] que a arguição de suspeição do juízo deverá preceder todos os outros casos de exceção previstos no art. 95 do mesmo código, inclusive a exceção de incompetência[2].

O momento da arguição de suspeição, assim como dos demais casos de exceção, é após o recebimento da denúncia, com a resposta à acusação[3].
A arguição de exceção, regulamentada pelo art. 95 e seguinte do Código de Processo Penal, apresentada no prazo da resposta à acusação é de caráter endoprocessual, devendo ocorrer no curso da marcha processual. Salvo a arguição de ilegitimidade da parte, todos os demais casos de exceção passarão por uma análise prévia do juízo, que poderá de plano reconhecer a alegação da parte. Caso não reconheça, o pleito será autuado em apartado e, posteriormente, julgado por uma esfera jurisdicional acima do juízo questionado.

A exceção de suspeição precede as demais hipóteses, em razão de a suspeição do juízo ser prejudicial da análise de qualquer situação jurídica, impedindo, inclusive, a incidência do princípio kompentz-kompentz, por meio do qual todo juízo é ao menos competente para analisar a sua própria competência, visto que toda decisão proferida por um juiz suspeito é nula, inclusive a possível análise da própria competência. A suspeição se apresenta como impeditivo do exercício da jurisdição.

Ocorre que os questionamentos sobre a suspeição e a competência do juízo também poderá ocorrer por mecanismo externos à marcha processual, como é o caso da utilização do Habeas Corpus. Nesse caso, também deverá ser observada a ordem prevista no art. 96 do Código de Processo Penal? Haverá prejudicialidade na hipótese de um questionamento ser analisado antes do outro?

Os questionamentos sobre a suspeição e a competência do juízo fora do curso do processo, ou seja, em sede de Habeas Corpus, estão relacionados ao exercício da ampla defesa pelo acusado, não sofrendo restrições de caráter formal, como a prevista no art. 96 do Código de Processo Penal. Desse modo, nada impede que a competência do juízo seja questionada e julgada antes da alegação de suspeição.

Contudo, esses questionamentos exoprocessuais podem resultar em impedimentos de análise em razão da perda do objeto.

Na hipótese de questionamentos da competência e da suspeição de um juízo, caso o primeiro questionamento (decretação da incompetência do juízo) seja analisado antes do segundo, haverá a perda do segundo objeto.

A partir do instante que há a decretação da incompetência de um juízo, não há que se questionar/analisar se esse juízo é suspeito, pois todas as decisões anteriormente proferidas serão consideradas nulas, bem como o juízo ficará impossibilitado de proferir qualquer outra decisão.

Quando a decretação da suspeição ocorre antes da análise da competência, não há perda do objeto do questionamento da competência. O reconhecimento da suspeição, de vinculação subjetiva (ao juiz), resulta na nulidade das decisões, mas poderá redundar na manutenção da competência do juízo. Exemplo é a situação de aposentadoria de um juiz declarado suspeito. O reconhecimento da suspeição do juiz (caráter subjetivo) não necessariamente afasta o caso do juízo, pois um novo juiz pode herdar o processo, que se encontra vinculado ao juízo.

Desse modo, análise prévia de suspeição não gera perda do objeto do questionamento da competência. O questionamento de suspeição é de caráter subjetivo, ou seja, vinculado ao juiz. Já o questionamento de competência é objetivo, vinculado ao juízo. Por conseguinte, reconhecimento de incompetência afasta por completo a jurisdição questionada sobre o caso. Em contrapartida, o reconhecimento de suspeição afasta a jurisdição questionada apenas parcialmente, visto que diz respeito apenas a atuação do juiz.

[1] Art. 96. A argüição de suspeição precederá a qualquer outra, salvo quando fundada em motivo superveniente.

[2] Art. 95. Poderão ser opostas as exceções de:

I – suspeição;

II – incompetência de juízo;

III – litispendência;

IV – ilegitimidade de parte;

V – coisa julgada.

[3] Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

1o A exceção será processada em apartado, nos termos dos arts. 95 a 112 deste Código. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

2o Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias.

* Artigo publicado originalmente no site Jota

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